quarta-feira, 7 de março de 2018

Paisagem brasileira

Paisagem do Rio de Janeiro (1907) Gistavo Dall'Ara

Acadêmicos da Destruição

No que somos bons? Somos excepcionais em destruir. Sabemos destruir planos, heranças, promessas, personalidades, fatos, governos, empresas, investimentos, impostos e o futuro.

O Brasil e um dos países mais avançados do mundo no quesito destruição. Possuímos a cidade mais linda do mundo, que foi destruída. Tínhamos o presidente mais popular do mundo, (auto)destruído. Tínhamos superávits mensais e nível de investimento que a rainha da bateria dos Acadêmicos da Destruição, Dilma Rousseff, destruiu.

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Congresso, JBS, Petrobras, CBF, Oi, Odebrecht, Olimpíada, Estádios da Copa, educação, SUS, universidades federais, a lista é infinita. Alguns mostram recuperação (Petrobras, Oi, CBF, talvez outros mais já esteja em processo ou vão conseguir), mas, em geral, nossa ânsia pela destruição de tudo de bom que possuímos é enorme. Por que somos assim?

Nossa relação com a Democracia e o Presidencialismo são superficiais e mal compreendidas. Tratamos a democracia apenas como um fim e não como um processo. Para muitos, a democracia é apenas o ato de votar, não de monitorar, pressionar, e buscar o aprimoramento. As regras não são compreendidas e o Congresso (a alma de uma democracia), é tratado como a lixeira da nossa. Temos instituições, temos leis, temos processos, temos imprensa livre, mas temos duas pontas desencapadas deste longo fio, as quais geram todo o curto-circuito no nosso funcionamento: o eleitor e o eleito. O eleitor vota por vingança, por paixão, por deboche ou por provocação. A convicção é leve, é superficial e baseada, muitas vezes, no instinto.

Nosso Presidencialismo também é demonizado. Alguns dos importantes líderes políticos de nossa historia, muitos, diga-se de passagem, não queriam o Presidencialismo que criaram. Buscavam o parlamentarismo, mas não havia narrativa suficiente para explicar que o debate coletivo das ideias poderia ser mais importante para o eleitor do que o messianismo de um salvador.

Destruir é fácil e traz um prazer quase proibido para quem participou da arquitetura da mesma. No ambiente político e econômico de hoje, temos a Reforma da Previdência destruída pela enésima vez. Esta, corre o risco de voltar apenas quando algo ainda mais importante for destruído: o futuro do aposentado. A reforma politica é a oportunidade de nos livrarmos de um sistema político indutor da corrupção, viciado e injusto na forma de eleger seus representantes. A reforma tributaria é a chance de simplificarmos o pagamento de impostos e facilitar a abertura de empresas e dar estímulo ao investimento privado.

No entanto, nada disso avança. A torcida, de grande parte é que não dê certo e que essas mudanças não avancem. Vários preferem destruir a Previdência a ter que arcar com os custos políticos de construir algo novo partir de agora. Outros, preferem destruir a credibilidade política a ter que modificar as regras que os elegem. O fetiche pela destruição sempre passa pela estrada da arrogância. Por isso, certamente, não estão percebendo que os próximos a serem destruídos são eles próprios!

Thiago de Aragão

Visionário

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Nunca li um jornal na vida. Para que lê-los? É tudo sem interesse
Jorge Luís Borges

Por que os mosquitos picam mais os mais pobres

Para ir de uma residência de Matamoros, no norte do México, a outra de Brownsville, no sul dos Estados Unidos, podem bastar menos de cinco minutos caminhando. São duas cidades tão coladas que quase poderiam ser uma só. E, claro, compartilham o mesmo clima e entre elas está tão somente o rio Bravo. Em um estudo sobre dengue feito nas duas, o município texano tinha uma incidência de 4%; o mexicano tinha sete vezes mais.
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Os mosquitos não são racistas, mas parece que entendem de classes sociais. As baixas levam a pior com suas picadas e as doenças que transmitem. A forma de armazenar a água, de tratar (ou não) os resíduos, o uso de ar-condicionado são determinantes para que se criem, vivam, reproduzam e alimentem em um ou outro lugar.

“O comportamento e os fatores socioeconômicos influem mais que nenhum outro na propagação de doenças causadas por vetores”, afirmou Jaime Torres, diretor do departamento de Medicina Tropical da Universidade Central da Venezuela, na XVIII Conferência Internacional de Doenças Infecciosas, que se realizou nos primeiros dias de março em Buenos Aires.

Em seu país, por exemplo, observou que as pessoas que vivem em barracos, ou ranchos, como lá são chamados esses tipos de assentamentos informais, têm 13 vezes mais probabilidade de serem infectadas por dengue do que alguém que more em um apartamento ou casa. Várias pesquisas de Torres mostram como a incidência dessa doença está diretamente relacionada com os níveis de renda.

O aedes aegypti, a espécie de mosquito que, além da dengue, transmite zika, febre amarela e chikungunya, vive comodamente quando as temperaturas beiram os 25 graus. E deixa suas larvas na água, por isso, os lugares onde fica parada depois das chuvas, seja em baldes que muitas comunidades de poucos recursos usam para armazená-la ou em pneus, plásticos e demais objetos descartados, são ideais para ele.


A forma de armazenar a água, de tratar (ou não) os resíduos, o uso do ar-condicionado são determinantes para que esses insetos criem, vivam, se reproduzam e alimentem em um ou outro lugar

Em condições iguais, evidentemente, não diferencia entre classes sociais. Mas faz isso em função de outros padrões. Existem pesquisas nas quais gêmeos idênticos eram expostos ao inseto e recebiam em média o mesmo número de picadas. No entanto, se isso se fazia com gêmeos fraternos, a coisa variava. As diferenças genéticas entre pessoas podem fazer com que algumas sejam mais picadas que outras. “Por alguma razão que desconhecemos preferem as que têm mais colesterol ou esteroides na pele. Também se inclinam para aquelas que emitem mais dióxido de carbono, o que inclui as grávidas; as que fazem exercícios, as que transpiram mais; as que produzem mais calor corporal; as do grupo sanguíneo O; e as que bebem álcool, especialmente cerveja”, relatou Torres. Também é preciso levar em conta que há indivíduos cuja reação à saliva do inseto é maior, por isso são mais conscientes das picadas, embora não necessariamente sejam mais picados que os outros.

Em sua palestra explicou que essa espécie de mosquito não costuma se deslocar mais de 50 ou 100 metros. Portanto, utiliza os veículos do ser humano para se locomover. A febre amarela, por exemplo, chegou da África para a América, com o tráfico de escravos. E foi se espalhando pela região no mesmo ritmo em que as pessoas se deslocavam. Porque esses insetos são “muito leais ao ser humano”, nas palavras de Torres; “Andam sempre com a gente”.

A globalização e os deslocamentos em massa de pessoas por todo o mundo estão fazendo com que essa espécie, e também as doenças que transmite, esteja se expandindo. Isso pode incrementar-se ainda mais com as mudanças climáticas, já que as variações de temperatura provavelmente os levarão a se adaptar melhor a lugares que agora são frios demais para eles. Também fugirão daqueles que se tornaram extremamente quentes, já que não suporta muito mais que 30 graus.

Todos esses fenômenos estiveram presentes nos recentes surtos de zika, chikungunya, dengue e febre amarela em vários países da América Latina nos últimos anos.

Imagem do Dia

Fotografia ganhadora na categoria: Mountains. Southern Highlands, Islândia.
. Southern Highlands (Islândia), Alex Nail, vencedor na categoria Montanhas do
International Landscape Photographer of the Year 2017.

Lula afunda sem a solidariedade das multidões

O Superior Tribunal de Justiça injetou uma nova dose de realidade na fábula construída por Lula. Ao negar o pedido para livrar o condenado antecipadamente de uma ordem de prisão, o tribunal deu de ombros para a ofensiva política do petismo. Lula e seus devotos imaginavam que, criando uma atmosfera de conflagração, conseguiriam amedrontar o Judiciário. Já não havia colado no TRF-4. Deu errado também no STJ. Resta agora saber que papel fará o Supremo Tribunal Federal.


Inelegível, Lula frequenta as manchetes como um corrupto de segunda instância. Esperava contar com a solidariedade de multidões. Mas não há vestígio de agitação nas ruas. A vida cotidiana do brasileiro que trabalha para encher a geladeira não se alterou. O “exército do Stédile” também não saiu às ruas. Nem sinal da militância sindical da CUT. Todos dormem sem remorso e acordam sem culpa.

Às vésperas do julgamento em que o TRF-4 confirmou a sentença de Sergio Moro no caso do tríplex do Guaruja, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, dizia que, “para prender o Lula, vai ter de prender muita gente, mais do que isso, vai ter de matar gente.” O STJ abriu um pouco mãos a porta da cela. E o único cadáver que surgiu em cena até agora foi o da candidatura presidencial de Lula. O jogo passa a ser jogado no STF. Se salvar Lula da cadeia, a Suprema Corte pula dentro da cova.

Crônica do autoritarismo anunciado

O geógrafo David Harvey, o sociólogo Wolfgang Streeck e o jornalista Raúl Zibechi, entre outros, têm escrito, com maestria, sobre a intensificação do controle militarizado e da democracia totalitária, que, mundo afora, já estamos vivendo há algum tempo. É a marca registrada do capitalismo contemporâneo. No Brasil, território periférico dessas tramas, essa realidade é lamentavelmente mais aguda. Podemos fixar, simbolicamente, nas penumbras do tempo, um termo inicial para a aceleração da repressão consentida que caracteriza o período que estamos atravessando: 18 de outubro de 1985. Naquela data, consolidou-se, como dizia Francisco Weffort, a “transição pactuada” do regime autocrático de 1964 para a Nova República. Estabeleceu-se uma concertação conservadora, segundo a qual as Forças Armadas recuariam de seu protagonismo e passariam a assumir o papel de tutela das instituições ditas democráticas, como garantidoras da lei e da ordem interna. As elites acreditavam, com reservas, na convivência entre o regime democrático e a economia de mercado. Daí a necessidade de medidas cautelares a conferir, em última instância, aos militares um poder moderador.

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Precisamente naquele dia, sob os auspícios de Ulysses Guimarães, uma comissão mista do Congresso Nacional derrotou o substitutivo do deputado Flávio Bierrenbach (PMDB-SP) à proposta de emenda constitucional oferecida pelo então presidente José Sarney, pela qual a legislatura ordinária que seria instalada em 1987 estaria investida de poderes constituintes. Deputados e senadores que viessem a ser eleitos em novembro de 1986, aos quais se somariam os membros do Senado Federal já sufragados em 1982, reunidos em Assembleia unicameral e pelo voto da maioria absoluta desse colegiado, elaborariam um novo texto constitucional para o país. Bierrenbach foi derrotado ao propor, antes disso, a convocação de um plebiscito a fim de que o povo, soberanamente, decidisse se queria uma Assembleia Constituinte exclusiva – que se dissolveria após concluir seus trabalhos – ou se conferiria poderes constituintes ao futuro Congresso Nacional ordinário. Com isso, tivemos um arremedo de Constituinte “soberana”, cujos trabalhos teriam culminado na promulgação de uma Constituição “dogmática”, como, via de regra, exaltam os mais corriqueiros manuais de direito constitucional. Só para lembrar: os “constituintes” de 1986 foram eleitos sem praticamente tocar no tema da nova Constituição durante a propaganda eleitoral. O que importava era elogiar o Plano Cruzado de Sarney – que, aliás, foi revogado logo após passadas as eleições –, e não a Constituição que deveriam escrever.

Bierrenbach ousou desafiar a máxima de Lampedusa: “É preciso mudar para que tudo continue como está”. Foi trucidado. Excelente parlamentar, não conseguiu reeleger-se. Por ironia do destino, foi nomeado, em 1999, por FHC, ministro do Superior Tribunal Militar. Hoje, dedica-se a pregar a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre, soberana e democrática.
O tempo lhe deu razão.