quinta-feira, 10 de setembro de 2015

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Brasil: sem livro novo na escola

Na última edição da Flip, em julho, as entidades do livro criaram e assinaram o manifesto Brasil, Nação Leitora, em defesa da manutenção dos programas governamentais de compras de livros. Na época, programas como o das compras para escolas e bibliotecas do governo de São Paulo já estavam suspensas e o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE) estava no balança-mas-não-cai. 

Em agosto, o secretário-executivo do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa, anunciou em uma reunião na qual estiveram presentes os presidentes das entidades do livro, que o programa estava suspenso em 2015 e que o PNBE Temático 2013, estimado em R$ 26 milhões, e o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) de 2014 (R$ 100 milhões), ambos já contratados, mas ainda não executados, não deverão deslanchar na sua totalidade. 

Esse cenário levou as entidades a criarem uma petição pública para manutenção dos programas governamentais de incentivo à leitura e alfabetização. 

Visitantes da Bienal, que segue em cartaz até o próximo dia 13, poderão assinar digitalmente o documento na Praça Nação Leitura, instalada no Pavilhão Verde (ruas N26/O22). 

O mundo de Dilma

Se errar é uma imperfeição humana, Dilma Rousseff duvida que possua esse defeito. Generosa, até se sujeita à admissão de remota possibilidade, mas apenas por uma necessidade emergencial de marketing: “Se cometemos erros” — disse ontem —, “e isso é possível, vamos superá-los e seguir em frente.”

Dilma se apresenta satisfeita com a vida em mundo fictício, no qual a convicção da realidade nunca se altera. Nele, “crise” é palavra proibida. Há “dificuldades” e “desafios”.

O que aconteceu, então? Por que o Estado quebrou? Tal percepção da vida real não é correta, sugeriu a presidente em discurso, remetendo ao seu nobre esforço: “O governo entendeu que deveria gastar o que fosse preciso para garantir o emprego e a renda do trabalhador, a continuidade dos investimentos e dos programas sociais.”

O convencimento da presidente sobre seus acertos confronta a percepção coletiva sobre a inflação, a recessão, o rombo nas contas federais e a quebra dos estados e prefeituras, cujo endividamento foi anabolizado por ordem direta da Presidência da República.

Ela tenta manter uma aparência de racionalidade, embora tenha sido quem mandou o Tesouro garantir a triplicação das dívidas estaduais. Entre 2011 e 2014, saltaram de 0,2% para 0,6% do Produto Interno Bruto.

Dilma sabia: pelo menos 50 desses financiamentos destinavam-se a estados já classificados pelo Ministério da Fazenda como impedidos de receber novos créditos. Um deles era o Rio Grande do Sul, estrela da bandeira petista, que hoje parcela o pagamento do funcionalismo a partir da faixa de R$ 600 mensais. É prelúdio de algo previsto para acontecer em outros estados.

Não há vestígio de um terço desse novo endividamento, contratado no último triênio. Foram torrados R$ 30 bilhões, o equivalente ao déficit previsto no Orçamento da União para 2016.

O dinheiro desapareceu na folha de pagamentos, contou o ministro Joaquim Levy a deputados, na semana passada. A despesa de pessoal dos governos estaduais cresceu 54% nos últimos três anos. Passou de R$ 185 bilhões, em 2011, para R$ 284 bilhões, no ano passado.

Dilma, é óbvio, não tem culpa se os governadores aumentaram dívidas numa velocidade dez vezes maior que o crescimento da receita líquida em termos reais — ou seja, descontada a inflação.

É certo, no entanto, que a presidente estimulou-os. Abriu a porteira da Fazenda e concedeu-lhes garantias do Tesouro Nacional.

Para tapar buracos da má gestão, ela enunciou ontem nova tributação: “Alguns remédios são amargos, mas indispensáveis.” Significa que a conta será paga, principalmente, pelos mais pobres cujos bolsos foram devastados, na última década e meia, pelo aumento de 14 pontos percentuais na carga tributária.

Pobres já destinam, obrigatoriamente, 32% de sua renda mensal ao pagamento de tributos ao Estado, informa o Ipea, do Ministério do Planejamento. Devem perder ainda mais.

A anarquia fiscal parecia superada desde o final dos anos 90. Ironia da história: acabou restaurada sob gerência de uma presidente com diploma de economista e dona de certeza granítica sobre a perfeição e a nobreza de seu governo.

José Casado

Descaso com os brasileirinhos

Não existirá justiça enquanto um homem com uma faca ou uma arma puder destruir aqueles que são mais fracos do que ele
Isaac Bashevis Singer (1902 – 1991)
Rezemos, cada um a seu modo, por Aylan Kurdi morto na praia, que rezar é muito mais fazer parte do mundo. Mas na prece não esqueçamos que outros meninos em todo mundo, em cada minuto, também morrem e sofrem sob os governos sedentos de desenvolvimento a qualquer custo e cegos à desgraça. Governos, mesmo legitimamente eleitos, que infelicitam o futuro dessa criançada no nascedouro.

Chore por Aylan e seu irmão Galip, mas não se esqueça dos meninos e meninas do Brasil. Os pequenos sírios fugiam de casa para encontrar um futuro; os brasileirinhos, mortos principalmente por balas, não fugiram de casas destruídas, muitas vezes estavam brincando na porta de casa. Só tiveram o azar de nascerem num país de paz cínica que não dá segurança aos cidadãos, onde a guerra entra porta adentro, ou janela, dos seus lares.

É cretinice demais derramar tantas lágrimas para se dizer parte do mundo pela morte de Aylan, quando as nossas crianças são assassinadas, estupradas, violentadas, sem que por um momento se tornem como Aylan símbolo de mudanças.

A Europa se comoveu pelo cadáver de uma criança na praia, que fugiu da guera. Seus cidadãos estão obrigando aos governos, legitimamente eleitos, a reverem a questão dos refugiados.

As crianças brasileiras, e são milhares, como Cristian Andrade morto esta semana em Manguinhos por uma bala perdida (?), se tornam mártires de uma causa perdida. Em nenhum momento merecem a dignidade de símbolos, nem tantas palavras, para mudar a violência. Serão apenas um número a mais na estatística para exibição de governos, que não atacam a violência com a mesma garra com que assaltam os cofres públicos. 

O martírio infantil no Brasil apenas é capa de revistas parece não ter o mesmo poder de sensibilizar a sociedade a ponto de fazer a mudança de dar um basta ao infaticídio de milhares a cada ano.

Coquetel de formicida

Este país, a cada dia que passa, vai se tornando um competidor favorito na disputa do Campeonato Mundial das Discussões sem Pé nem Cabeça. A contribuição mais recente das nossas altas autoridades para esse novo título nacional é o palavrório enfezado, tolo e pretensioso que se armou em torno da seguinte questão: a campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff foi feita dentro ou fora da lei? A resposta, pelo jeito que tomaram as coisas até agora, é que não pode haver resposta, pois não vale fazer a pergunta. Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o homem que deveria procurar saber se aconteceu ou não aconteceu algo de errado na história, "não interessa à sociedade" discutir essas "controvérsias"; é inconveniente, a seu ver, que a Justiça se meta nisso, pois a eleição já foi, os vencedores devem "usufruir as prerrogativas de seus cargos" e os derrotados devem se preparar para a próxima. Não será possível, assim, saber se houve ou não houve algum crime — pela vontade da Procuradoria, não deve haver investigação, sem investigação não há prova e, sem prova, ninguém pode dizer que houve crime. O passado passou. Ficam arquivadas as dúvidas. É melhor não fazer perguntas, pois há o risco de se encontrar respostas.


A campanha para a reeleição de Dilma Rousseff e do seu entorno é uma viagem completa no trem fantasma da política brasileira. Apareceram a empregada doméstica que, pela contabilidade oficial, recebeu 1,6 milhão, mas não sabe que recebeu, o motorista que é sócio de empresa prestadora de serviços à candidatura, o pobre-diabo que é promovido a empresário para passar notas fiscais com temperatura de 10 graus abaixo de zero. Há uma indústria gráfica que recebe mais de 20 milhões de reais da campanha, mas não tem máquinas gráficas, nem funcionários, nem sede social. Há de tudo — e ao mesmo tempo não há nada, pois, sem uma decisão judicial, os fatos que ocorreram não produzem efeito algum. Por via de consequência, como diria o doutor Aureliano Chaves, não se pode dizer que a presidente é culpada e não se pode dizer que é inocente; ficamos apenas com uma discussão de hospício. Já seria bem ruim se a questão ficasse só nesse porre mental, mas é pior. Antes e além da rixa entre a PGR e a Justiça Eleitoral, o que existe aqui é um caso para a vara de falências do mundo moral.

É bem simples. Todos falam, falam e falam, e ninguém toca no ponto de onde realmente vem o curto-circuito: como pode haver limpeza numa campanha presidencial que recebe contribuições oficiais, contabilizadas e pagas em moeda corrente, de empreiteiras de obras públicas, fornecedores do governo e toda a tropa de empresas que dependem de licenças, autorizações ou favores governamentais para sobreviver? Dá para levar a sério, sinceramente, o argumento mais sagrado de todos os candidatos a algum cargo eleitoral quando lhes perguntam quem financiou sua campanha? "Ah, bom, a doação que recebemos foi perfeitamente legal", dizem eles. "Está tudo declarado, direitinho. A lei permite. Qual é o problema?" O problema é que a contribuição legal é feita basicamente com dinheiro ilegal. Em português claro: dinheiro que vem da corrupção. Esqueçam-se a empregada, o motorista, a gráfica etc. A flor do mal está na origem contaminada das doações — se elas são fruto do crime, a coisa toda vai para o diabo. Eis aí o verdadeiro coquetel de formicida que envenena as eleições brasileiras.

No caso da eleição presidencial de 2014, a campanha de Dilma Rousseff recebeu dinheiro de empresas dirigidas por criminosos processados e condenados por corrupção ativa na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba. Não há mais nada. a provar quanto a. isso: o processo tem 28 réus confessos, a maioria deles ligada a empreiteiras de obras públicas que declararam ter feito doações à candidata oficial. Só uma delas, a Camargo Corrêa, vai devolver 700 milhões de reais ao Erário, após reconhecer que ganhou ilicitamente essa importância, pelo menos, em seus contratos com o governo. Será que Dilma não sabia nada sobre a origem dos 350 milhões de reais que gastou para se reeleger? Levou um susto quando soube? Nunca ouviu falar em empresas que roubam do governo e fazem contribuições de campanha? Naturalmente, não é só o PT que age assim — todos os seus adversários se servem dessa mesma rapadura. Mas os adversários não foram eleitos para a Presidência da República em 2014 — o problema concreto é de quem está sentado, hoje, num cargo ganho com a ajuda de dinheiro que veio do crime.

O que faz você se indignar?

Uma imagem, dizem por aí, vale mil palavras.

Sem dúvida esse é o caso da foto do menino Aylan, de apenas três anos, vítima de afogamento quando tentava imigrar com sua mãe e seu irmão para a Grécia. A inocência da criança é inquestionável; a injustiça também.

As reações à morte de Aylan não se fizeram esperar. Os líderes políticos europeus mudaram o dicurso, mas a mudança é tanto hipócrita como tardia. Apenas no dia 14 de setembro apresentarão uma nova proposta para lidar com os refugiados. E certamente não incluirá a todos os governantes europeus. Enquanto isso, novas iniciativas cidadãs vão surgindo, às margens dos governos. Em vários países, grupos de europeus dão mostras de solidariedade e de ajuda. A página de ativismo Avaaz coletou mais de um milhão de assinaturas virtuais em um abaixo-assinado publicado em várias línguas com o mesmo texto, conclamando a União Europeia a mudar sua política frente aos refugiados.

Aqui no Brasil não faltaram mostras de indignação, simpatia e vergonha alheia. Mas também logo surgiram as reclamações dos internautas: nós também não temos os nossos Aylans? Por quê essa indignação importada e seletiva?

Primeiro, porque Aylan é símbolo de sofrimento que poderia ter sido evitado. Não é fruto do destino, do infortúnio, da má sorte. Poderia ter sido evitado se houvessem mais esforços para acabar com o conflito na Síria. Poderia ter sido evitado se os governantes europeus não tivessem fechado os olhos para o drama dos refugiados. Em segundo lugar, Aylan é símbolo da injustiça e das disparidades econômicas e sociais que separam os países ricos dos pobres, das quais as vítimas mais inocentes são justamente as crianças.

Mas aqueles que reclamam da falta de indignação com os outros “Aylans” têm razão. A indignação é sempre seletiva, e a mobilização contra a injustiça também.

Vanessa dos Santos Silva, 7 anos, Corumbiara, 1995

No mês passado, cumpriram-se vinte anos do massacre de Corumbiara, em Rondônia. Mais de dois mil trabalhadores sem terra haviam invadido uma fazenda, onde estavam acampados. No conflito durante o cumprimento da ordem judicial de reintegração de posse, doze pessoas morreram. Entre elas, a menina Vanessa dos Santos Silva, de 7 anos, morta com um tiro nas costas.

De acordo com a Comissão Pastoral da Terra, apenas no primeiro semestre deste ano ocorreram 23 assassinatos relacionados com conflitos no campo, sendo a maioria deles no Pará e em Rondônia, justamente os lugares dos piores massacres da década de 1990.

Eduardo de Jesus Ferreira, 10 anos, Rio de Janeiro, 2015

Em abril deste ano, durante operação da Polícia Militar no Conjunto de Favelas do Alemão, o menino Eduardo de Jesus Ferreira morreu atingido por uma bala na porta da sua casa. A investigação comprovou que o tiro saiu de um fuzil da PM.

De acordo com a ONG Rio da Paz, além de Eduardo pelo menos outras 13 crianças foram mortas durante tiroteios entre policiais e traficantes desde 2007. Chamadas de vítimas de “balas perdidas”, como se tivessem apenas tido azar por estar no lugar errado na hora errada, na verdade são vítimas da incompetência, da injustiça e da indiferença da sociedade.

O relatório da ONG Anistia Internacional, “Você matou meu filho!: homicídios cometidos pela Política Militar na cidade do Rio de Janeiro”, publicado recentemente, apresenta dados impressionantes sobre as execuções extrajudiciais realizadas por policiais. Dá atenção especial para aquelas ocorridas entre agosto de 2014 e julho deste ano na Favela do Acari. Dos dez casos documentados, em quatro as vítimas já estavam feridas ou rendidas quando foram executadas.

A Favela do Acari é a mesma que ficou famosa em 1990, quando de lá desapareceram 11 jovens. Apesar das buscas intensas, dos protestos e das suspeitas do envolvimento de policiais no sequestro e assassinato dos jovens, os corpos nunca apareceram. Em 1993, Edimea da Silva Euzebio, uma das líderes do grupo Mães de Acari, foi assassinada no meio da rua quando buscava informações sobre o filho desaparecido.


O que faz você se mobilizar?

Quem participa de movimentos sociais sabe que não há fórmula mágica para chegar à indignação, e nem para conseguir que a sociedade dê o passo crucial da indignação à ação. Também sabemos, no entanto, que quando uma imagem simboliza de forma nítida a injustiça e o sofrimento de inocentes, como a foto de Aylan, há uma onda de indignação que pode ser aproveitada para alcançar mudanças que antes não seriam possíveis. Na era da Internet, essa imagem percorre o mundo com uma velocidade inimaginável à época dos massacres de Acari ou de Corumbiara.

No entanto, mesmo essa indignação global, potencializada pelas novas tecnologias da comunicação, tem prazo de validade. O trabalho contínuo e árduo daqueles que ficam ao lado das vítimas antes e depois das tragédias é o verdadeiro motor de mudanças duradouras.

O grande desafio dos que hoje choram pelos Aylans, daqui e de lá, é dar continuidade à mudança.

Dilma teme o povo

Um muro metálico instalado para isolar os cidadãos durante o desfile pelo Dia da Independência, na última segunda-feira, representa com precisão a que ponto chegou o isolamento de Dilma Rousseff e de um governo rejeitado pela esmagadora maioria dos brasileiros. O fiel e decadente retrato do Sete de Setembro presidencial mostrou ao país uma chefe de governo que já não governa, uma líder sem autoridade, uma comandante que já não comanda coisa alguma e tem medo do povo.
A estrutura formada por placas de aço, apelidada de “Muro da Vergonha” pelas pessoas que tentavam e foram impedidas de acompanhar a parada cívico-militar em Brasília, foi construída sob medida com o intuito de preservar Dilma de vaias, panelaços e qualquer tipo de manifestações que se tornaram corriqueiras nos últimos tempos. Trata-se, afinal, uma presidente que não pode sair às ruas ou se pronunciar sem ouvir em alto e bom som a indignação dos brasileiros contra o estelionato eleitoral do qual foram vítimas.

Como se não bastasse ter isolado a população e restringido os lugares nas arquibancadas para convidados, Dilma não teve coragem de convocar a tradicional cadeia de rádio e televisão, por meio da qual os presidentes da República historicamente se dirigem à nação em datas comemorativas. O Planalto optou apenas por veicular nas redes sociais um vídeo curto com um depoimento de Dilma, sem alarde, para que os panelaços não se repetissem, o que dá a dimensão do acuamento do atual governo.

Nunca antes neste país, como costuma dizer Lula, um “muro da vergonha” separou os cidadãos do presidente do país na parada de Sete de Setembro. Reeleita graças às mentiras, aos ataques desqualificados contra os adversários e ao dinheiro sujo desviado da Petrobras, Dilma enganou a população e agora não tem grandeza moral para olhar nos olhos dos brasileiros. Não se trata de esboçar um pífio “mea culpa” sem nenhuma convicção ou de jogar sobre os ombros do Congresso Nacional a responsabilidade por encontrar uma solução para o descalabro nas contas públicas – mas de reconhecer que se perderam as condições políticas e a credibilidade necessárias para governar.
Sob o comando de Dilma e do PT, a população continuará não se sentindo representada. Por mais que se construam muros de proteção, a presidente da República jamais estará a salvo dos protestos cada vez maiores e que pedem a intervenção constitucional do impeachment. Como se viu no Sete de Setembro, mesmo impedidas de assistir ao desfile, muitas pessoas mandaram seu recado por meio do já tradicional Lula inflável batizado de “Pixuleco”, desta vez acompanhado por um outro boneco que retratava Dilma com um nariz de Pinóquio – uma alusão provocativa às mentiras contumazes contadas pela presidente. 

A experiência histórica ensina que muros são bons quando derrubados, jamais quando construídos. Não é erguendo barreiras, afastando a população ou se encastelando no Palácio do Planalto que Dilma Rousseff conseguirá recuperar a credibilidade e a autoridade moral que se esvaíram em meio ao descalabro e à corrupção sem fim do lulopetismo. O Brasil acordou e está de pé para exigir outros caminhos. Somente um novo governo será capaz de derrubar os muros da vergonha e fazer ruir o castelo de cartas construído pelo PT nos últimos 13 anos.

O cafetão dos pobres


É incrível! Não bastou a Lula ser o mentor intelectual — santo Deus! como essas palavras não combinam associadas a esse ogro da ética! — de um modelo que quebrou a economia brasileira. Não bastou a Lula ter transformado em consumo e em cocô, em seu próprio país, uma janela de oportunidades que poderia ter sido, de fato, o passaporte de milhões para a uma vida melhor; não bastou a Lula ter feito de suas jumentices, em terras nativas, uma categoria de pensamento, com o anuência de setores do empresariado movidos ou por cupidez específica ou por burrice genérica. Ele quer levar adiante o seu legado. Agora ele sai dando conselhos energúmenos América Latina afora.

No Brasil, ninguém mais quer ouvir um dos principais beneficiários de sistema tão iluminado. Sim, o modo que Lula descobriu de governar criou o desenvolvimento sustentado e a riqueza de longuíssimo prazo para os Lula da Silva, por exemplo. Ele próprio, só em palestras, faturou R$ 27 milhões em quatro anos. Isso é que é crescimento de patrimônio sem precedentes! E notem que não me apego a informações não confirmadas sobre sinais exteriores de riqueza dele próprio e da família. Fico com o que está declarado. Por aqui, Lula é carta fora do baralho, é página virada, é morto que anda, é zumbi.


Mas, ora vejam!, o homem está participando ativamente da campanha eleitoral na Argentina. Empresta seu apoio a Daniel Scioli, o candidato de Cristina Kirchner à sua sucessão. Não por acaso, também a Beiçola de Buenos Aires empurra a economia de seu país para a inviabilidade, mobiliza milícias truculentas contra a imprensa, está atolada em escândalos, enriqueceu notavelmente no poder…

Fosse pouco, seu governo tem nas costas uma suspeita bastante verossímil de assassinato. Refiro-me, claro!, ao promotor Alberto Nisman, que investigava a participação do governo no esforço de esconder as evidências de que o Irã estava por trás do atentado contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em 1994, quando uma explosão deixou 85 mortos e provocou danos estruturais em outros 9 edifícios no bairro Once. Adiante.

Lula foi falar porcaria também no Paraguai. Durante um evento, nesta terça, naquele país, comemorando os 10 anos do programa Tekoporã, que distribui subsídios a 600 mil pessoas por meio de um cartão, afirmou que o combate à pobreza deve ter prioridade sobre os investimentos em infraestrutura. Jogou ao vento, entre outras teorias relinchantes, o que segue:

“É verdade que eu poderia fazer uma ponte, uma estrada, mas entre cuidar de 54 milhões de pessoas que estão passando fome e fazer uma estrada, a estrada pode esperar que essas pessoas comam, fiquem fortes e ajudem a construí-la. Se fizesse a estrada, essas pessoas morreriam de fome antes de vê-la terminada. É muito difícil encontrar alguém no setor de Fazenda ou Tesouro que esteja disposto a dar essa contribuição aos que estão abaixo. Não é uma política de esmola, de compensação, é um direito”.


Disse mais: “Antes de eu chegar à Presidência, os pobres eram tratados como se fossem problemas. E hoje eu digo que cuidar bem dos pobres é a solução para acabar com a miséria na nossa América do Sul”.

É uma soma formidável de mentira com estupidez. Em primeiro lugar, não havia 54 milhões de famintos no Brasil quando ele chegou à Presidência. A fome já era um problema residual — como é ainda hoje, nos grotões. Em segundo lugar, programas sociais do governo Fernando Henrique Cardozo, que Lula tomou para si, atendiam cinco milhões de famílias. Em terceiro lugar, o seu pensamento é a expressão do lixo intelectual que inviabiliza países mundo afora, conduzidos por esquerdistas ou populistas.

Não há contradição nenhuma entre investir em infraestrutura e combater a fome. Por que o Bolsa Família seria incompatível com um programa decente de concessões e privatizações na infraestrutura? Inferir que o aporte de recursos para esse setor serve apenas para enriquecer empresários e não tem efeitos sociais é de um cretinismo avassalador.

Em 2014, o Bolsa Família custou R$ 26,6 bilhões aos cofres públicos. Um ponto percentual de elevação de juros custa R$ 15 bilhões. Vejam a que altura o genial modelo de gastos públicos sem limite — sem pensar muito na infraestrutura, né, Lula? — levou a Selic no país. E não! Não foi para satisfazer a sanha dos banqueiros — não que eles fiquem infelizes, claro… Esse é o resultado das escolhas feitas pelo petismo.

Não há contradição entre investimento em infraestrutura e combate à pobreza. Até porque, vamos convir, não é mesmo?, o petrolão não foi criado em razão dos programas sociais levados adiante pelo petismo. O mesmo lulismo que expandiu o Bolsa Família foi ainda mais generoso com o Bolsa Empreiteiro, o Bolsa BNDES e, em algumas circunstâncias, o Bolsa Banqueiro.

Aí está, aliás, um dos enganos que se podem cometer sobre o PT, já escrevi centenas de vezes. Do socialismo, herdou as taras autoritárias e a tentação de se estabelecer como partido único. E só. No mais, usou o razoável controle que tinha, e tem, de movimentos sociais e a capacidade de seu demiurgo de se comunicar com as massas para regalar alguns potentados da economia nativa. Enquanto Lula distribuía Bolsa Família, ajudava alguns eleitos a arrecadar alguns bilhões em Banânia. O petismo é o escarro do populismo de extrema direita.

O PT só cobrava o valor da corretagem. O sistema de que Lula fala, no fim das contas, é aquele que faz de seu partido o cafetão dos pobres. Não por acaso, o país se transformou num bordel de bandoleiros que cobram e pagam propina.

Eis o modelo que Lula quer vender à América do Sul.
Reinaldo Azevedo

Assalto a mão armada


Tanto faz se estão usando gazua, pistola ou punhal. A verdade é que ao propor a elevação do imposto de renda das pessoas físicas, o ministro da Fazenda e sua quadrilha assumiram a condição de assaltantes. Porque o assalariado não tem como escapar do assalto. É descontado em folha ou perde-se no emaranhado de declarações que só os contadores entendem, esbulhado por um poder público que não retribui as contribuições com serviços e demais obrigações.

As empresas sempre encontrarão mecanismos para aliviar a agressão, descontando despesas particulares de seus diretores e utilizando artifícios que não raro fazem o patrão pagar menos do que o empregado. Automóveis, mansões, refeições, viagens e tudo o mais eles conseguem abater, mas quem vive de salário que se dane.

Junte-se a redução de direitos trabalhistas, a elevação do custo de vida, as demissões em massa e as incertezas de todo amanhecer para que se evidencie ter o governo acabado. Não dá mais para continuar. Poderá o cidadão comum, envolto por mil dificuldades, taxas e impostos, continuar emprestando apoio à incompetência dos governantes?

Como faltam três anos e quatro meses para o encerramento dessa farsa, outra saída não existe: o impeachment da presidente da República, símbolo maior das agruras que nos assolam. Fosse feita nova pesquisa, que aliás não demora, menos de sete por cento dos consultados optariam pela permanência de Madame e seu governo. Apesar da conturbação a ser causada pelo trauma, melhor assim do que assistir as instituições postas em frangalhos.

Quanto à recuperação, fica a dúvida: quem, organização, movimento ou partido, se disporia a enfrentar o desafio? “Todo o poder ao Judiciário!” virou coisa do passado. “Militares, nunca mais!” tornou-se imperativo categórico. “Tudo pelo social” não deu certo. Muito menos copiar o “New Deal” dos americanos ou aguardar um inviável “Plano Marshall”. Do fundo do poço, o anseio é por luz e calor.

Deveria a presidente Dilma ter presente a lição que Diógenes um dia passou em Alexandre. Oferecendo o que ele quisesse em matéria de riqueza, joias e poder, postado na frente do barril onde o filósofo morava, ouviu o futuro dominador do mundo: “Majestade, não me tires o que não me poder dar”. É que Alexandre se postara entre Diógenes e o sol…

Afinal, o vice Michel Temer apoia ou não o aumento de impostos? Para os líderes do PMDB, jura que não. Diante da presidente Dilma e de seus ministros, aceita proposta…

A crise

Uma casa dividida contra si mesma não subsiste
Abraham Lincoln, 16 de junho de 1858


Concordo que a atual crise é a mais grave que já tivemos. E vou além ao afirmar que o Brasil, por sua cultura e estrutura política, não está preparado para administrar uma crise dessas proporções. Isso porque para enfrentá-la e resolvê-la seria necessário construir uma resposta sistêmica que unificasse os principais atores políticos num projeto de ação dotado de lucidez, vontade política e audácia.

Houve uma grande oportunidade de preparar o Brasil para enfrentar o enorme desafio que se anunciava: a eleição presidencial de 2014. Mas o PT não podia perdê-la, pois precisava de mais um mandato para completar seu domínio e controle sobre o sistema político. Em seus três mandatos o PT teve condições legais e recursos para iniciar e dar curso à implantação do seu projeto de poder, mas não teve tempo para concluí-lo.

Enquanto era um partido pequeno, que se auto-exilava politicamente pelo radicalismo, as crises eram resolvidas por negociações entre os partidos tradicionais. Diante da crise, a resposta era o “pacote” e o apelo à união nacional, um guarda-chuva conceitual aceito por todos e que a todos retribuía. Assim foi com o Plano Cruzado, com o governo Itamar e, em 1994, com o Plano Real. Totalmente diferente é a situação atual.

Enquanto esteve fora do poder o problema político típico desta crise não se apresentava nem para ele nem para o País. Com o PT no poder essa união nacional se tornou muito difícil. Ela é importante para os empresários e partidos tradicionais. Não tem a mesma importância para o PT.

Com a crise o PT perdeu o rumo: não pode mais praticar a única forma de governar que conhece e aceita e é forçado a engolir um remédio amargo, na menor porção que lhe for possível, sem deixar de lembrar ao povo que assim que a situação melhorar voltará a fazer mais do mesmo.

Conquistou o poder, na eleição de 2002, quando e porque Lula promoveu o encontro da esquerda com o marketing político e tranquilizou o eleitorado com a Carta aos Brasileiros. Só agora, passados 13 anos, está sendo cobrada do PT a promissória que Lula entregou em 2002. A Carta era uma forma de abrir a porta do sistema político para o PT, não uma “tocante” conversão ao mercado, à globalização pós-socialista e à democracia representativa, como muitos entenderam.


Logo após a eleição de 2014 as nuvens de tempestade começaram a se juntar. À crise moral – de dimensão até então insuspeitada – somaram-se a crise resultante do descontrole econômico, a crise política, a crise nas relações sociais e a decorrente do grau de desconfiança na solidez das instituições e na racionalidade das decisões. Ao agregar tantas dimensões, a crise aumentou incrivelmente o número e a diversidade dos seus protagonistas (players) e a gravidade dos problemas e desafios a resolver.

O PT está imobilizado diante da crise porque a solução que se propõe para ela colide com seu projeto político, é radicalmente diferente dos projetos de PMDB e PSDB, por implicar mudanças substanciais e radicais no sistema político – na Constituição, nas relações sociais, econômicas e políticas do País.

Esse projeto se propõe a emascular a democracia representativa, fragilizando-a com organizações com funções representativas, aparelhadas e politicamente alinhadas ao governo e ao partido (projeto de decreto presidencial 8.243/14); a controlar os veículos de comunicação social (projeto de regulamentação das comunicações); a fazer alterações constitucionais como reeleições sucessivas; a regulamentar espaços privados dos cidadãos com imposição de valores, interferência nas funções da família e controle político da educação; criar o financiamento público exclusivo das eleições.

Que o plano político do PT segue essas linhas atestam os projetos com que mais se identifica. Nenhum deles, entretanto, poderá ser desenvolvido sem o controle do Estado. Não será recuperando a economia nos marcos do capitalismo e pelas regras do mercado que esses objetivos serão atingidos.


O próprio comportamento não comprometido da presidente com as medidas ortodoxas necessárias; sua evidente má vontade com o ministro da Fazenda; sua pressa em reafirmar que a crise não passa de dificuldade passageira; sua absoluta negativa em cortar despesas públicas; sua insistência em acenar não para o aperto, e sim para a retomada do crescimento (sic) e dos projetos sociais indica claramente que o projeto de poder não foi engavetado.

Apesar dos índices recordes de rejeição, o governo ainda tem fichas para permanecer na mesa de jogo. Se até agora não pôde recuperar as condições que teve e perdeu, consegue ao menos usar seu “poder de veto” e a caneta das nomeações para conquistar apoios, bloquear jogadas adversárias, interferir no timing do processo, ao mesmo tempo que resiste furiosamente a reduzir despesas.

A crise econômica não leva o PT a repensar criticamente seu modelo e a crise venezuelana, como horizonte possível, ao que tudo indica, não o assusta. O que está em jogo é um conflito político que o PT evita revelar: a disputa entre uma política nos marcos da Constituição e dos avanços econômicos obtidos na gestão do presidente FHC e uma política de natureza socializante, pós-URSS, nos moldes do que ocorre em vários países da América Latina.
Não há, pois, entre o PT e a classe política dos partidos tradicionais um valor compartilhado e de maior hierarquia que pudesse estabelecer a base para um acordo de alto nível ante a crise. Quando se expurgam as ingenuidades e ilusões, o que há são duas visões de País e da crise que se excluem mutuamente.

Por essas razões acredito que a crise é maior do que a capacidade de nosso sistema político instável resolvê-la satisfatória e tempestivamente. Entre a pressão das ruas e o salve-se quem puder da classe política, não encontraremos o caminho para sair bem dessa crise.


Francisco Ferraz