domingo, 14 de junho de 2015

Embrulhando o arco-íris

O afã de trocar de carros a toda hora, de mudar de casa, de ostentar roupa de grife, por vez exótica e embaraçosa, de comprar o que tem de mais caro é uma atitude que precisa ser analisada com atenção. É hábito “generalizado” desde que Eva, por uma maçã, jogou Adão fora do paraíso terrestre. Assim, de maçã em maçã, o consumo aumentou e, mais recentemente, se turbinou pela propaganda, contudo, mantendo a insatisfação em altíssimo grau. No niilismo budista, explica-se que a “felicidade está na ausência de desejo”, exatamente o contrário do que se vende aos incautos, do que se dissemina.

O desejo é apresentado pelas serpentes que prometem uma ilimitada satisfação, sofisticação, realização. Fazem com que as mulheres prefiram um salto de 20 centímetros, equilibrando-se sobre um ponteiro, ao prazer de um confortável sapato. Todas sabem disso, todas sentem o conforto de um contra a dificuldade e os calos do outro. E daí?

Nas ruas por onde passamos, nas novelas, nos jornais, a dose inoculada obsessivamente estimula a compulsão; esta movimenta as lojas. Quando estudante, um professor contou-me que um sujeito com a mão apoiada na fria bigorna a golpeava com martelo; questionado sobre a “loucura”, respondeu que tinha imenso prazer quando não acertava os dedos. Quer dizer, fazemos da nossa vida um sacrifício inútil. Não temos educação para conseguir separar o bom do supérfluo. A vaidade tomou o lugar que deveria ser ocupado pelo justo discernimento.

Sacrificam-se coisas indispensáveis por um par de óculos usado por uma atriz de novela.

Assisti, faz tempo, à palestra de um “mago internacional de marketing”, uma aula de feitiçaria para vender por meio de compulsões provocadas nos incautos. Mostrava que as medidas devem insinuar-se como a serpente – em nada espalhafatosas ou faraônicas – e atingir o ponto fraco, inserir a chave na fechadura e rodá-la para entrar na cabine que comanda as decisões. Escrúpulos ele nunca acenou.

Antigamente eram as bruxas que sabiam criar a mandinga fatal e fazer acreditar: “Nisso está a felicidade”. Posta a premissa, o indivíduo passa a ser um atormentado. Um Perseu acorrentando à rocha com o fígado arrancado aos pedaços pela águia. Nesse conto, os antigos mostraram que conheciam bem que o fígado não tem nervos, não dá dor, e que, mesmo despedaçado, se regenera em qualquer idade. É o órgão do desejo, só tem ambição. A mulher, para ser admirada, se expõe a qualquer frio para mostrar o decote. E não sente frio. O desejo desconhece a dor, assim como o fígado, e ainda se perpetua.

O Perseu do século XXI se acorrenta aos desejos mais fúteis, não se apercebe de que é infeliz por não saber dominá-los. Acredita no “não tenho, portanto, sou infeliz”, mas ao contrário, é “infeliz por desejar demasiadamente e sem educação emocional”.

O niilismo budista ensina que o Nirvana se abre quando os desejos deixam de se recompor, quando morre o mecanismo que os cria, quando a matéria é dominada e, por isso, extinta em sua importância.


Nas últimas décadas, a vaidade encontrou um forte concorrente na “necessidade”, esta entrou no mercado com força total e o dominou. Como explicou muito bem Steve Jobs, da Apple, vender algo que muda para melhor a forma de viver e introduz num mundo mais amplo e mais rápido passa, em importância, os motivos que levam a desejar. A utilidade do produto cria a necessidade de comprá-lo para não ser excluído. Quem está fora se arrisca a se transformar num ser que não acompanha a manada global. A pouco tempo de ser um desconectado.

Jobs, antes de ser empresário, fez vida mística na Índia, se aproximou do conceito de “karma”, entendeu a sutileza tão abstrusa para o ocidental, da concatenação da causa e dos efeitos. Enxergou na vaidade um sentimento apenas “analógico”, e na “necessidade”, outro muito mais poderoso. Nesse campo, se deram seus estrondosos sucessos, como assim se deu nessa geração de “gênios nascidos em garagens”. Microsoft, Apple, Facebook, Alibaba, Oracle etc. Os Nasdaq.

Produtos “imprescindíveis”, “sine qua non”, ultrapassando a mera vaidade no ranking de valores que dominaram por séculos a humanidade.

Apesar disso, o segredo da felicidade permanece o mesmo explicado por Buda e por Cristo no Sermão da Montanha. Este mundo é uma mera passagem, um quebra-cabeça para se enfrentar com sabedoria.

Um desses “afortunados” gênios, Pierre Omidyar, da eBay, titular de uma dezena de bilhões, explica que, alcançando a riqueza espetacular, entendeu que esta não provoca necessariamente a satisfação. “Fiquei, da noite para o dia, estupidamente rico e vi que podia comprar não só o carro dos meus sonhos, mas como todos os 30 carros que estavam na loja. E, quando você percebe isso, todos os carros, de repente, deixam de ser interessantes e não satisfazem mais nada”.

Enfim, o desejo e a felicidade são tão efêmeros como tentar embrulhar um arco-íris. Nunca o serão. Ao menos nesta terra.

Tudo vai bem (nos poderes da República)

Quando tudo vai bem, o que a gente menos quer falar é em mudança. Deixa como está! Não mexe!

Estou falando dos membros das instituições. Dos órgãos do Estado, do governo, do parlamento, da justiça. Para esse específico e decisivo conjunto de pessoas, de autoridades, tudo está muito bem. Não têm do que se queixar. Os vencimentos são bons, os subsídios idem, prerrogativas e privilégios também, o modelo lhes garantiu acesso aos postos que ocupam, as regras do jogo lhes foram convenientes. Em grande parte, conquistaram suas posições com méritos intelectuais nos postos ocupados por concurso, e por méritos políticos nos postos eletivos ou de indicação. Tudo está no seu lugar e todos estão onde querem. Deixa tudo como está!

Esse tem sido um clássico entre os problemas brasileiros. Muda-se apenas o mínimo necessário para que nada mude, como já disse alguém. Estamos em meio a uma crise cujos promotores são conhecidos e sobre cujas causas ninguém tem dúvidas. Tudo vai mal para quase todos. Mas tudo vai bem para quem decide sobre quaisquer mudanças e sobre os rumos a serem dados ao país. Provavelmente, os "honorable gentlemen", como diria Churchill a eles se referindo, ouviram dizer que a sociedade se inquieta. Escutaram panelaços. Souberam que o povo saiu às ruas. Perceberam que a eleição e a apuração dos votos de outubro de 2014 transcorreram numa caixa preta. Têm consciência de que quem venceu mentiu mais que o capeta e alcançou seus fins pelos piores meios. Não desconhecem que há um escândalo em cada esquina. Acham o juiz Sérgio Moro um chato de galocha. Mas a experiência lhes ensinou que o melhor remédio, para quem não quer marola, vem com um dia depois do outro.

Eis aí o motivo pelo qual nada está acontecendo, embora todos esperem que algo aconteça. Por mais que as circunstâncias favoreçam seu trabalho, nem mesmo a dita oposição se atreve a cumprir seu papel. No Congresso Nacional, ela, a oposição, é a turma do "deixa disso!". Quando o clima esquenta, os caciques botam fogo. No cachimbo da paz, quero dizer. E trocam apaziguadoras baforadas. Os "honorable gentlemen" vão muito bem, obrigado, e nada têm a reclamar. As eventuais dificuldades pessoais se decidem com alguma leizinha privada, em benefício próprio, de comum acordo, porque nada é mais sagrado do que o bem estar e o estar bem nas instituições da República.

A conivência e a conveniência, vêm sustentando a hegemonia de um projeto de poder que já não esconde a que veio. Quem acha que nada deve mudar, em breve verá tudo mudado. Saiba, portanto, o leitor: em tais condições, nada serve melhor à ruína do país que a modorra institucional, que o conformismo dos tíbios e o silêncio dos omissos. Espero que o Congresso do PT desperte as instituições para seus compromisso com o bem do país, que não pode ser boi de canga para um projeto totalitário de poder.

 Percival Puggina

O país dos paliativos

Em um certo país, que talvez conheçamos bem, a regra parece ser “tape o sol com a peneira” e tome atitudes meramente paliativas. Lá, ou aqui para ser mais exato, as coisas funcionam mais ou menos assim: não consegue passar para faculdade? Ofertamo-lhe uma cota.

No entanto, o ideal é construir uma educação básica de qualidade como fazem os países desenvolvidos ou verdadeiramente em desenvolvimento, não é mesmo? Assim, todos teriam condições de serem aprovados para o curso superior ou ingressariam diretamente de acordo com o currículo escolar. Todavia, isso não facilitaria a carreira acadêmica dos filhos e netos dos “donos do poder” neste tal país. Esses (os filhos e netos dos donos do poder) estudam nos colégios e escolas mais caros e melhores preparados para aprová-los no tão concorrido ENEM.

Eles não precisam de cotas, são representantes da educação de qualidade e com toda certeza terão condições de concluírem seus cursos, diferentemente dos cotistas que por bulling, baixo conhecimento intelectual, dificuldades financeiras, necessidade de trabalhar, dentre outras questões acabam por abandonarem seus cursos.
A verdade é que este tal país mal administrado há séculos precisa de cursinhos, de escolas particulares, eles pagam impostos. Como impostos são o que mais importa por “laaqui”, neste tal país bem pertinho de você e de mim a educação pública básica e média de qualidade não existirá. A não ser que haja uma revolução social, que pessoas de bem passem a administra-lo. A educação, já vimos, vai mal! Como vai a segurança publica?

Neste determinado momento, existem menores cometendo crimes país afora, roubos de bicicletas, macha criminal sobrevoando a zona sul, ataques à faca e crianças, jovens e adultos usando “drogas pobres” nos principais pontos da cidade. Os agentes políticos que adoram adotar soluções paliativas para temas polêmicos como modo de manterem suas cadeiras ditam: reduza-se então a maioridade penal, reforce-se o policiamento por algum tempo, criminalize-se o uso de arma branca, põe-se à cavalaria nas ruas.

Está resolvido. Será? As causas, quem investiga, quem combate? Perguntamo-nos. As respostas vêm e começam a demonstração da paliatividade de tais medidas. Os presídios, casas de recuperação e casas de albergados, neste tal tão conhecido país não são reeducadores, muito menos ressocializadores, são verdadeiras escolas do crime. É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões – Dostoiésvki – Crimes e Castigos. Novamente, o ideal é, como em países desenvolvidos…, tirar a população da marginalização através de abertura de postos de trabalhos, de formação profissional de qualidade, do incentivo ao consumo controlado.

Quanto às penitenciárias, fazer delas centros de recuperação através de atividades profissionais, sócias e culturais, além é evidente do término da superlotação. Não para por aí! O transporte público deste tal país “paliativista” também é decadente.

Meus Deus, Mulheres são assediadas nos trens abarrotados de passageiros! Grita o resolvedor palitivista que quer votos por uma lei que mascarará o verdadeiro problema. Fácil, de agora em diante haverá vagões exclusivamente para as mulheres nos horários- de-pico. Pronto. Mais fácil do que se imaginávamos, não? Não mesmo. O transporte público deste tal país, B, continua uma humilhação diária para mulheres e homens que além de tudo agora aglomeram-se juntos aos do mesmo sexo. Talvez logo tenhamos de por vagões exclusivos para os homossexuais e tenhamos de criar também cadeiras rosas para as mulheres, ou as elas não são assedias nos ônibus? Algumas das declarações mais constantes dos passageiros é que se sentem em uma lata de sardinha, que ao entrarem não conseguem mais mexerem-se, que é um dia-a-dia difícil nos transportes públicos.

Será que algum dos dirigentes, os “donos do poder” no país Brasil utilizam-se de transportes públicos? Será que durante a criação da “lei do vagão-rosa” foi discutido que uma das causas deste assédio era a superlotação dos trens? Pensemos…não, não. Praticamente, todas as respostas sobre representantes deste país utilizarem serviços prestados ao povo serão negativas. Os semideuses do Bras…não podem nem querem sentir ou mais sentir o que se passa com sua gente.

Os problemas e suas soluções que não procuram o cerne da problemática continuam. São problemas na saúde, nas rodovias, nos portos, problema com reforma política, com agronegócio, com reforma agrária e todos os demais que pararmos para pensar.

O mais importante objetivo deste texto é que percebamos o quanto nossas “autoridades” não possuem interesse em resolver realmente aquilo que é realmente necessário. Não obstante, precisamos entender, eles não vivem esses problemas, nunca saberão como é ser criado sem educação de qualidade, assistir às pessoas morrem nas portas dos hospitais, ser humilhado sendo pisoteado nas saídas dos trens, ter seus poucos bens tirados, quando não sua vida, por marginais que se tornam mais especializados a cada internação e tantas questões vividas e vivenciadas por integrantes da classe média até a base da pirâmide social. Este é o Brasil, o país dos paliativos! 

Recado do 'velho' Eça

A esquizofrenia de um partido

Camisetas anti-Levy, palmas para Vaccari e protestos de rua da direita são contradições registradas no encontro do PT

Pelos saguões do hotel da praia do Rio Vermelho, em Salvador, onde acontece o V Congresso Nacional do PT, legenda de Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff, há militantes que passeiam com uma mensagem explícita na camiseta: "Fora o plano de Levy". O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, é um liberal alheio ao partido, mas escolhido por Dilma, em janeiro, para conduzir o ajuste fiscal e a política econômica de corte de gastos que, na opinião dos dois, são necessários para que o país volte a crescer no próximo ano (no momento flerta com a recessão). As camisetas antiministro são um sintoma da peculiar esquizofrenia vivida pelo maior partido do Brasil, no poder há mais de 12 anos (oito com Lula e quatro com o primeiro mandato de Dilma).

Outro sintoma dessa contradição é a turbulenta redação do principal documento do congresso, a chamada Carta de Salvador, da qual foram retiradas, ao longo da semana, folha por folha, as críticas escritas em um primeiro momento contra a política econômica do Governo. A própria presidenta, há poucos dias, mandou um aviso de que não se pode criticar o ministro da Fazenda por tudo ("não se pode fazer isso, criar um Judas”) em um pronunciamento que, para especialistas, foi dirigido especialmente aos que estavam preparando o congresso.

O terceiro sinal de esquizofrenia de que padece o partido apareceu quando o presidente Rui Falcão aludiu ao tesoureiro João Vaccari, acusado de pertencer à trama corrupta da Petrobras e ter angariado dinheiro para o partido proveniente dos subornos das empresas que alardeavam contratos. Ao ouvir o nome de Vaccari, os participantes do Congresso aplaudiram. Entusiasticamente. Essa aclamação, que durou três minutos e serviu para redimir o tesoureiro, pelo menos aos olhos do partido, pode se compatibilizar mal com a promessa da presidenta Dilma Rousseff de perseguir a corrupção seja lá onde ela estiver.

Poderíamos falar de outra contradição: o PT, formação esquerdista de inspiração popular, perdeu o controle das ruas. As últimas manifestações de massa pertenceram aos adversários de Lula e Dilma Rousseff, que lotaram a Avenida Paulista. As centenas de militantes e os quadros dirigentes buscam nesse Congresso recuperar a pulsação vital das pessoas comuns. Mas isso às vezes é difícil quando se detém o poder por tanto tempo e a questão é discutida no salão de um hotel.

Antonio Jiménez Barca

Hora de se mexer


A modernização do país no campo político anda a passos de caranguejo: dois para frente, um para o lado, um para trás. Como mudar? Enfrentando o cerne do problema. A reforma fundamental, mãe de todas as reformas, deverá contemplar a base da sociedade, com o objetivo de colocar no mapa da cultura política as massas incultas e analfabetas. Trata-se, portanto, de reformar a educação básica. A escola pública está deteriorada. Milhões de brasileiros afastam-se do sistema educacional.
Medidas paliativas, como as de combate à fome e à miséria, dentro de uma visão assistencialista, têm méritos no curto prazo para minorar o desespero que se alastra em algumas regiões. Mas não quebrarão os elos que prendem o país ao passado e que escancaram traços de uma sociedade agrária. Essa é a questão de fundo. A esperança é a de que a sociedade organizada, por meio de suas centenas de entidades, empurre seus movimentos para as ruas, fazendo pressão sobre os poderes centrais. 2015 é um ano propício para avanços.
Gaudêncio Torquato, "As reformas? Ora, tropeçam"

O poder do povo


Quanto mais acompanho o cenário político atual, mais aumenta o meu ceticismo sobre a possibilidade de encontrar soluções para tantos problemas com as lideranças que conduzem os nossos destinos nos dias de hoje. O governo só tem olhos para o governo, assim como o Congresso e o Judiciário, e ninguém se preocupa com o Brasil. Se não, como explicar o ajuste fiscal – sem dúvida necessário para cobrir as “brincadeirinhas”, como diria o ministro Levy, do primeiro mandato da presidente Dilma –, que corta benefícios da sociedade, aumenta impostos e mantém o Estado do mesmo tamanho, com a mesma estrutura inchada e pesada? Em nenhum momento o governo fala em reduzir custos e tornar os serviços mais eficientes. E todos nós sabemos que uma coisa é cortar despesas e contingenciar recursos e outra, muito mais profunda e abrangente, é reduzir custos.

Na contramão do ajuste que penaliza a sociedade, o Judiciário quer aumentar sua fatia no bolo dos impostos e o Congresso, depois de mais benefícios pessoais e mais repasses aos partidos políticos, pretende, ainda, construir um novo anexo para, dizem, melhorar as condições de trabalho dos parlamentares. E no meio do caminho ainda há uma reforma política capenga e a Operação Lava Jato pairando ameaçadora sobre a cabeça de tantos políticos e autoridades.

Nem mesmo no governo federal e no PT há unanimidade em torno do ajuste fiscal e do corte de despesas. Talvez nem mesmo a presidente as defenda com a convicção necessária, ela que, na campanha eleitoral, tanto execrou as propostas neoliberais que agora pretende adotar. No Congresso, o quadro parece ainda pior. Está difícil até identificar quem é da situação ou da oposição. Uns aprovam agora o que desaprovavam ontem enquanto outros fazem exatamente o contrário, como no caso do fator previdenciário.

Ninguém pensa no Brasil. Ninguém apresenta propostas, não apenas para nos tirar do atoleiro atual, mas para restituir aos brasileiros a confiança no trabalho e na produção como meios de atingir a prosperidade e o bem-estar. Não podemos ficar indefinidamente à mercê dos humores de Brasília e das guerras travadas no Congresso nem sempre com propósitos claros.

O Brasil não precisa de muitas reformas. Aliás, precisa de uma só: de uma reforma que restabeleça os princípios de uma verdadeira república democrática antes que a democracia e a república percam sentido como forma de organização social e representação diante dos absurdos que se cometem em seus nomes.


E o ponto central da proposta deve ser retirar o excessivo poder dos políticos e governantes e devolvê-los ao Estado como instituição. Limitar as prerrogativas de criar estruturas e contratar funcionários, o que, com toda certeza, enfraquecerá o tal presidencialismo de coalizão, que nada mais é do que o “toma lá dá cá”, com troca de cargos em comissão e diretorias de estatais por apoio político e maioria nas casas legislativas.

Fundamentalmente, é preciso perguntar à sociedade qual o tamanho do Estado que ela está disposta a bancar com os seus impostos. E isso não me parece tarefa para políticos. Eles não vão cortar na própria carne. Meu sentimento é de que se a sociedade quiser mudanças efetivas terá que tomar o processo em suas mãos, se organizar para pressionar, se mobilizar colocando os interesses do país acima de interesses setoriais, fazer valer, de fato, o poder que sempre deve emanar do povo.

João Elísio Ferraz de Campos

Dilma ainda acha que a saúde vai mal


Acredito que precisamos de um esforço na gestão hospitalar. Nós temos uma gestão bastante frágil. Mas é preciso de mais dinheiro, precisa. Sem dinheiro, ninguém faz.
Dilma Rousseff no Programa do Jô


O Governo Federal deixou de investir este ano cerca de meio bilhão de reais na saúde. O ministério também perdeu cerca de 10 bilhões em 2015 com o ajuste fiscal.

Veja o vídeo 

Petismo e antipetismo

Petismo e antipetismo alimentam a contraposição mais marcante na conjuntura atual, algo que vem maturando desde, pelo menos, a campanha para as eleições presidenciais de 2014. Ainda que seja uma contraposição facilmente observável, nem tudo o que impulsiona os movimentos da conjuntura política pode ser reduzido a ela e, obviamente, não é aceitável tomar como verdadeira nem a narrativa nela contida nem as implicações diretas que ela imagina promover. Como autodefesa, o petismo lança mão recorrentemente da sua vitimização e o antipetismo agride inflacionando seu discurso com um anticomunismo anacrônico, que destoa do seu alvo de combate: o PT nunca foi ou se propôs a implantar o comunismo e seus governos sempre mantiveram uma distância segura em relação a qualquer orientação que possa seriamente ser qualificada como comunista.


Por antipetismo não se entende aqui a existência legítima de ação política de oposição aos governos do PT e menos ainda uma ação concertada da grande mídia em relação ao partido de Lula, argumentos da narrativa petista. O antipetismo emergiu na sociedade civil, em grupos e movimentos não conectados entre si, que se adensaram nas redes sociais para depois ganharem as ruas na campanha eleitoral, bem como nas manifestações de protesto e nos panelaços, logo depois da posse do segundo governo de Dilma Rousseff. O antipetismo é um sentimento de rechaço integral ao PT a partir de um conjunto difuso de interpretações e representações que tais movimentos lhe atribuem.

O antipetismo conseguiu ser a linha de frente do movimento pelo impeachment da presidente da República. Aventurou-se nessa estratégia e conseguiu a façanha de carrear para suas ações personalidades e grupos políticos com maior presença e experiência na cena política brasileira. Foi brevemente hegemônico, poderíamos dizer. Conseguiu quebrar o monopólio que o PT detinha sobre as ruas, como também o monopólio da qualificação do mundo político, especialmente dos seus adversários. Acertou e errou, fez o bem e o mal. Hoje não consegue reorientar sua estratégia de ação e começa a ver erodir na opinião pública o relativo prestígio que havia alcançado, ainda que, enquanto sentimento, dá sinais claros de que permanece latente e pronto para ser novamente ativado.


Formado a partir da ideia do “rechaço a tudo que está aí”, o PT não apenas se especializou em desqualificar, como sempre precisou criar ou ressignificar um ator político para se afirmar em oposição a ele. Na conjuntura atual, em razão dos inúmeros problemas que enfrenta, o petismo encontra-se na defensiva, mas continua a reiterar e a radicalizar seu método de construção identitária, brandindo sempre que necessário o “nós x eles”. Numa situação como essa, acuado, o PT manifesta sintomas mórbidos quando, em sua autodefesa, tenta mobilizar anacronicamente a noção de fascismo diante das investidas do antipetismo ou, pateticamente, busca apresentar-se como legítimo defensor da “democracia” fundada na Carta de 1988, que publicamente se recusou a votar por sua aprovação.

A cultura política do petismo é ainda uma incógnita. E permanecerá assim se o foco de atenção para compreendê-la continuar voltado para o embate entre suas correntes internas e para as vicissitudes da política e da economia, stricto sensu, vivenciadas pelos governos do PT. Não há certamente uma muralha chinesa entre essas dimensões e o petismo, mas não há obrigatoriamente relação de causa e efeito entre elas. O PT nasce da modernização conservadora empreendida pela ditadura, que, na clássica leitura de Luiz Werneck Vianna, resultou na “liberação dos instintos egoísticos” da sociedade civil. Na luta contra a ditadura novos seres sociais transplantaram para a política, via sindicalismo de resultados, o mundo dos interesses dos “de baixo”, recolhendo elementos como “eu quero o meu” ou “12% ou a morte”, uma consigna da primeira grande greve do final dos anos 1970. O amálgama desses anseios com ideias difusas de rebeldia, de esquerda e de um anticapitalismo romântico resultará no petismo. O PT não nasceu do embate ideológico e se julgava uma novidade que desconhecia qualquer predeterminação. Essa postura o levou inexoravelmente a uma política de polo, anticoncertacionista, que acabou por fraturar a frente oposicionista contra a ditadura. Ao rechaço à ditadura e depois aos governos de transição se somaria uma lógica de custo/benefício que instaurou definitivamente o “cálculo econômico” como critério de pragmática do PT, cimentando suas “escolhas racionais” como expressão legítima dos interesses que dizia representar. Daí aos governos petistas não há mudança significativa. O petismo estabeleceu assim um modus operandi que passou a funcionar no automático.

O PT recusou-se assim a construir a hegemonia. Desprezou possíveis aliados do difuso progressismo democrático e reformista, preferindo instaurar seu predomínio. Hoje, ao fracassar o seu “distributivismo sem reformas”, como bem apontou Cesar Benjamin, o PT dá as condições, a partir das alianças que consumou pragmaticamente, para o conservadorismo retomar seu fôlego no momento do seu ocaso.

Petismo e antipetismo são dois constructos ideológicos opostos que se estruturam em torno de discursos de padrão agonístico cujo principal objetivo é a construção intencional do adversário político. O primeiro é um mosaico disforme, que só conhece a razão dos seus interesses, um ator mais afinado com a perspectiva de “projeto de poder” do que com a noção de hegemonia de matriz gramsciana; enquanto o segundo é pura reação, errática na maior parte das vezes, sem liderança legitimada, que flutua por diversos canais e dificilmente encontrará seu Leitmotiv para estruturar sua unidade e lhe garantir alguma estratégia para o futuro.

Estado de choque

A imagem da orelha decepada, faltando um pedaço, é tão chocante quanto a ideia de um jovem, formado em economia pelo Ibmec, ser capaz de tamanha brutalidade. José Phillippe Ribeiro de Castro, de 28 anos, é acusado de arrancar um pedaço de um rapaz e de ferir, com um objeto cortante, outros dois convidados de uma festa do irmão, no jardim de sua casa, na Gávea, num ataque de selvageria que destoa da calma que reina naquele cantinho nobre da Zona Sul. Há menos de um mês, o Rio assistiu chocado a outra cena de brutalidade, desta vez mais trágica, que levou à morte do médico Jaime Gold, na Lagoa. Gold morreu esfaqueado, sem esboçar reação diante de dois jovens que queriam levar a sua bicicleta num assalto.

A polícia agiu rapidamente nos dois casos, embora no episódio da Lagoa a coisa tenha degringolado também rapidamente. Menos de 48 horas depois do assassinato, a Divisão de Homicídios apreendeu na Favela de Manguinhos, distante cerca de 16 quilômetros da cena da violência, um menor negro, de 16 anos, que negou o crime. Nem vem ao caso discutir aqui a ação da polícia, obrigada a reabrir o caso quando um terceiro adolescente inocentou o primeiro menor.

Mas é curioso examinar as fichas corridas do menino inicialmente apontado como assassino do médico na Lagoa e a do jovem protagonista da cena de selvageria na Gávea. Veja só. O menor, criado pela mãe, catadora de papel, parou de estudar aos 14 anos, quando ainda cursava o sexto ano do ensino fundamental. Colecionou, desde os 12 anos, 15 anotações criminais: oito por roubo, três por furto, uma por desacato, uma por posse de drogas, uma por tráfico e a última por tentar esconder uma faca nas areias de Copacabana ao ser perseguido por PMs. O menino, cuja primeira apreensão ocorreu quando perambulava pelas ruas de Copacabana, esteve nove vezes aos cuidados do Degase, o Departamento de Ações Socioeducativas. Duas vezes, aos 11 anos, foi pego no Leblon passando fome, sem dinheiro para voltar para casa. Foram perdidas, portanto, pelo menos nove chances de tentar ajudá-lo a deixar o mundo de violência que, aparentemente, foi o único que ele conheceu.

A ficha corrida do jovem da Gávea também é extensa. Foram sete passagens pela polícia, antes do ataque de fúria de sábado passado. A primeira, com 16 anos, por agredir uma colega de escola. Além de outras agressões, foi condenado pela Lei Maria da Penha, mas a pena acabou sendo suspensa em troca de seu comparecimento ao Fórum a cada dois meses. Ele não cumpriu a medida, jamais compareceu ao Fórum, mas ficou tudo por isso mesmo. No seu currículo ainda consta o atropelamento de um homem na Praia do Leblon. A bordo do seu Nissan, José Phillippe tentou fugir sem prestar socorro. Com tantas anotações judiciais, ele não tinha passado um único dia preso. Até agora. “Ele não tem condições de conviver em sociedade”, justificou a delegada Monique Vidal ao pedir a prisão preventiva de Phillippe.

A violência, a maldade pela maldade, choca. Difícil aceitar que um ser humano possa ser mau a ponto de matar para roubar uma bicicleta ou partir para cima de três pessoas, entre elas uma mulher de 1,47m, irritado porque um convidado fez xixi no jardim de sua casa. Mas o que deixa a sociedade desnorteada é perceber que as instituições responsáveis por coibir a violência, punir os infratores e recuperar jovens estão fazendo tão mal o seu papel.

Mesmo em uma análise superficial, fica claro nos dois episódios a quantidade de falhas. No caso da Lagoa, a escola pública não foi capaz de ensinar o menino de Manguinhos. O serviço de assistência social não conseguiu assisti-lo. O poder público falhou de novo nas nove oportunidades de ajudá-lo com ações socioeducativas quando o levou para o Degase. E a ação policial — pelo menos a última delas — foi, no mínimo, precipitada. No caso do jovem da Gávea, sequer a punição de comparecimento ao Fórum foi cumprida. Não se trata aqui de julgar e condenar ninguém apressadamente. Pelo contrário. Os ritos da Justiça têm que ser cumpridos em todos os casos. A questão é a falta de eficiência das instituições. E é nelas que repousa boa parte das esperanças de uma sociedade civilizada.

Márcia Vieira

Dilma Rousseff e os intelectuais de segunda mão

Como dizia Nelson Rodrigues, recentemente citado pela presidente Dilma Rousseff, na sua busca insaciável de citar o que não lê, vivemos tempo de um “divertido horror”. Foi no México, ao fazer uma salada com as cores das bandeiras e das respectivas seleções de brasileiros e mexicanos. Celso Arnaldo não perdeu a chance da reflexão indispensável e brindou-nos com mais um de seus artigos antológicos.

Não foi a primeira vez que a presidente invocou um autor que não lê. Tenho para mim que se trata de estratégia equivocada de seus assessores. Por ter sucedido a um homem de extraordinário poder de comunicação, que não lia nada, eles acharam de bom tom polir um pouco a sucessora com sugestões de livros lidos. Mas, ó dor, deveriam ter começado por algum autor ou livro que ao menos um deles tivesse lido. Todavia encontrar um leitor no meio de hordas ágrafas é muito difícil.

Entre jornalistas, também. É preciso pedir licença à gente da mídia para um diálogo semelhante àquele relatado pelo escritor espanhol Jorge Semprún, roteirista de filmes referenciais, como A Confissão, do cineasta grego Konstantinos Gavras, mais conhecido por Costa-Gavras. Ele diz que numa reunião do Partido, um membro dirigiu-se assim a um de seus arrogantes camaradas: “Companheiro, permita-me fazer sua autocrítica, uma vez que você não a faz?”.

A salada oferecida no México, de improviso, não superou momentos menos hilários, entretanto igualmente graves, pois se trata da presidente da República, a quem os assessores mandam que repita bobagens inventadas por eles ou captadas de ouvido de outrem. Eis esta amostra: a presidente declarou no programa de Ana Maria Braga ser leitora de Fiódor Dostoievski. Tempos depois, um dos áulicos passou a um jornalista amigo a informação de que à ateia ou religiosa comove muito um dito de Dostoiévski: “Se Deus não existe, tudo é permitido”.

Ateia? Na verdade, depende do momento histórico de sua existência: se em campanha de apoio junto às bancadas de igrejas confessionais, é ex; se em encontros com colegas ateus, daí a conversa é outra. Mas o que nos interessa é que o romancista russo jamais disse ou escreveu estas frases. Outros disseram que ele as disse ou as escreveu, como o fez Jean-Paul Sartre. E os que passaram a repeti-las não conferiram se disse ou não disse, se escreveu ou não escreveu as tais frases.

Não se pode ler tudo, mas temos no Brasil intelectuais que leem! Sei que a espécie é rara, mas temos! Estão em extinção? Parece que sim. Ou aparecem pouco. O certo é que seria fácil conferir o dito antes de mandar a presidente proferi-lo.

Frases famosas que estão na boca e nos escritos de muita gente boa jamais foram pronunciadas. Sherlock Holmes nunca disse “elementar, meu caro Watson” nos livros do autor que criou o personagem. Isto foi acrescentado pelos roteiristas dos programas de rádio de grande sucesso nos EUA, depois divulgados pelo mundo inteiro. Mas não é uma frase de Sir Arthur Ignatius Conan Doyle!

Ainda que mal pergunte, por que levar a presidente a citar o que não lê? Porque eles também não leem!

Deonísio Silva