quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Aberta a temporada


Pior é quem recua


Adversários no Norte da África e depois no continente europeu, os generais George Patton, dos Estados Unidos e Erwin Rommel, da Alemanha, tinham características iguais. Para eles, o bom soldado não era o que morria pela pátria, mas o que fazia o inimigo morrer pela dele. Só admitiam uma estratégia: avançar sempre. Jamais manter posições ou aferrar-se ao terreno, mas seguir adiante, com o objetivo da vitória final.

Do discurso da presidente Dilma, na posse, ao pronunciamento do ministro Joaquim Levy, ao receber o cargo, o que se viu foi o governo abrindo trincheiras para enfrentar o adversário. Mais ainda, recuando.

Vão perder a guerra. Nenhuma administração pode aspirar sucesso quando prega apenas aumento de impostos, ajustes fiscais, corte nos investimentos, redução dos benefícios sociais, demissões e perda do poder aquisitivo dos salários.

Falta ao governo um plano para a vitória sobre a crise econômica, impossível de ser conquistada apenas com medidas de contenção. Nem é preciso citar os presidentes da República que deram certo e os que quebraram a cara. Os que ficaram nas trincheiras e os que avançaram.

Qual o objetivo do segundo mandato de Dilma? Se for apenas garantir o bolsa-família e demais programas assistencialistas, fica fácil prever o resultado: as demandas nacionais aumentarão não apenas no campo social, mas na economia. Para atendê-las não basta arrumar as contas e pagar as dívidas. É preciso avançar.

QUEM SERÁ O PRIMEIRO?

Uma aposta toma conta da Esplanada dos Ministérios: dos 39 ministros, qual será o primeiro a pedir para sair ou ser saído? As atenções se dividem entre os ministros de primeira e de segunda classe, quer dizer, aqueles que detêm os controles do processo político, econômico e social, e aqueles que apenas enfeitam o governo. Desimportantes, uns, vigiados, outros. A presidente Dilma dá sinais de que depende dela o julgamento de todos.

Saída, cadê a saída?


A crise política é inevitável. Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Teremos, efetivamente, o grande teste das nossas instituições — o impeachment, em 1992, não passou de um ensaiozinho: chutar cachorro morto, todo mundo chuta. As antigas formas de pensar vão, como de hábito, recitar suas ladainhas, eivadas de estrangeirismo, preconceito e autoritarismo.

O desafio vai ser o de encontrar uma saída democrática, original e de acordo com a nossa formação histórica. Pode ser o tão esperado momento de ruptura que estamos aguardando desde 15 de novembro de 1889, quando a República foi anunciada, mas até hoje aguarda, ansiosamente, ser proclamada.

Ressaca brasileira

Observou-se que, com seu novo gabinete, Dilma Rousseff buscou se blindar de Lula. Mas talvez aconteça o contrário
Durante seu segundo mandato, Dilma Rousseff estará impedida de cumprir as duas promessas tradicionais da esquerda: desafiar as pretensões do mercado e refundar a política sobre procedimentos transparentes. Dilma consumirá parte de seu capital em ajustar a economia. E deverá continuar dando explicações pelo escândalo da Petrobras, com o qual conviverá durante todo o seu mandato. Lula da Silva e a cúpula do PT a observam a partir de agora com a precaução de quem olha o equilibrista caminhar com passo incerto sobre uma corda-bamba. Já escolheram a bandeira em que se envolverão até a próxima eleição: o conflito com os meios de comunicação. É uma estratégia habitual no populismo latino-americano. Já que não pode modificar a realidade, contesta sua interpretação.

Em 9 de setembro, Dilma acusou sua rival Marina Silva de pretender, caso chegasse à Presidência, entregar sua gestão econômica aos banqueiros. Na quinta-feira passada, nomeou Joaquim Levy, diretor da área de investimentos do Bradesco, o segundo maior banco privado do Brasil, como ministro da Fazenda. Levy, que se doutorou em Chicago, é chamado de Mãos de Tesoura. Ele adora esse apelido. Promete reduzir subsídios e a inflação para recuperar o crescimento. Cabe a ele, junto com Nelson Barbosa, ministro do Planejamento oriundo do Banco do Brasil, e Alexandre Tombini, que permanece no Banco Central, administrar a ressaca de uma festa de consumo.

O novo ministro do Desenvolvimento é o empresário Armando Monteiro. E a da Agricultura, Kátia Abreu, lidera a Confederação Nacional da Agricultura. É a Thatcher do campo.

Impossível duvidar da ortodoxia dessa equipe. O enigma é se Dilma a respaldará. Além de reparos ideológicos, ela poderá ter restrições temperamentais. Padece de uma propensão ao micromanagement e costuma submeter seus colaboradores a surtos de ira que eles denominam, respeitosamente, de “síndrome da tensão criativa”. Barbosa inaugurou a experiência: já precisou desmentir que, como havia prometido, vá reduzir o salário mínimo.

A Petrobras é outro manancial de dissabores. Ninguém conhece a lista completa dos políticos que se locupletaram nessa caixa preta, da qual saíram cerca de 10 bilhões de reais. A partilha do dinheiro complica a partilha de poder. Cada nomeação pode esconder um novo pesadelo. Na semana passada, o diretor de uma empresa japonesa confessou que recursos foram desviados para a campanha de Rousseff.

A Petrobras deve 135 bilhões de dólares. E a queda do preço do petróleo dificulta a exploração de sua grande jazida de águas profundas. O fundo de investimentos Aurelius pediu que seja declarado seu default. A empresa contamina a imagem geral dos negócios. E começa a se ouvir que outra tempestade pode se desencadear na Eletrobras, a maior empresa elétrica da América Latina.
Leia mais o artigo de Carlos Pagni

O Reizinho


Holanda corta serviços sociais e transfere carga a municípios

Manifestação contra os cortes do Governo, em novembro em Haia
O atendimento a idosos e dependentes passa a ser uma ‘obrigação’ familiar
Depois de quase meio século de funcionamento intensivo, o Estado de bem-estar social muda de nome na Holanda e passa a chamar-se “sociedade participativa”. A medida envolve cortes orçamentários e grandes mudanças para a população. Desde o dia 1º de janeiro o auxílio aos idosos e às pessoas dependentes de ajuda, incluindo as crianças incapacitadas, se transforma em uma “obrigação moral” das famílias, amigos e vizinhos. E o descumprimento desse novo dever não está sujeito a punição legal, pelo menos por ora.

Somente quando a situação for insustentável, as pessoas que não têm como cuidar de si mesmas poderão ter acesso a um centro subvencionado. A recém-criada Lei de Cuidados de Longa Duração estabelece que caberá às prefeituras proporcionar o atendimento, para o qual receberão financiamento estatal.

O primeiro discurso da Coroa do novo rei holandês, Willem-Alexander, introduziu em setembro de 2013 a ideia da sociedade participativa, em forma de advertência e, também, de desafio. Por um lado, mostrava a insustentabilidade de manter, com a crise, um sistema de cuidado que em 2010 custou 23.500 bilhões de euros (R$ 75,9 bilhões) ao erário público –com esse orçamento foram atendidos 250 mil dependentes em instituições públicas e outros 350 mil por meio de ajuda paga aos domicílios. Considerando o envelhecimento crescente nesse país de 16,7 milhões de habitantes, o desafio consiste em convencer os cidadãos de que têm de apoiar-se e ser responsáveis pelos que os rodeiam. A questão é saber se eles o farão espontaneamente. Porque, a partir de agora, o direito histórico de receber atendimento somente poderá ser exercido quando a pessoa não puder cuidar de si mesma e carecer de uma rede informal de apoio. Com essa mudança, o Estado pretende economizar 2,3 bilhões de euros este ano.